Por: Jonathan Ferreira
dos Santos
Diretor da Associação
Educacional e Beneficente Vale da Bênção, em Araçariguama, SP.
Artigo retirado da
revista “Ultimato” de Maio-Junho 2002 ANO XXXV Nº 276
Somos filhos da reforma. Quando
Martinho Lutero afixou suas 95 teses na porta da Igreja de Wittemberg, estava
fundamentando-as em três verdades: 1) salvação só pela graça, não pelas obras;
2) a Bíblia (não a tradição) como única regra de fé e prática; 3) sacerdócio universal
dos salvos, não o clericalismo. Estas três verdades vêm influenciando o
pensamento evangélico ao longo dos séculos. Contudo, precisamos reavaliar
constantemente nossos pensamentos e práticas para verificar se não estão sendo
mal interpretados.
É o caso da salvação somente pela
graça: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, isto não vem de
vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8, 9,
NTLH). Nada mais claro. Entretanto, freqüentemente nos esquecemos do versículo
10: “Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para
fazer boas obras”. Como enfatizamos continuamente a salvação pela graça e
dificilmente ouvimos uma mensagem sobre as boas obras, não é de admirar que nos
esqueçamos de as praticar, especialmente as que se referem à assistência
social.
É verdade que, em geral, os
evangélicos são bondosos, quebrantados, ajudadores. Mas até pouco tempo atrás
não era fácil encontrar uma instituição evangélica de assistência social. Mesmo
hoje, algumas igrejas ainda relutam em envolver-se com projetos dessa natureza.
A ênfase recai na evangelização. Via de regra, orfanatos, asilos, hospitais e
escolas têm sido deixados para católicos e espíritas. Eles, sim, crêem na
salvação pelas obras. O encontro pessoal com Jesus, sua aceitação como
Salvador, o novo nascimento são experiências pouco pregadas e experimentadas
entre eles. A necessidade da prática de boas obras se deve, desse modo, à
incerteza da sua salvação. O resultado são os muitos projetos de assistência social.
Mas nós, evangélicos, que enfatizamos
a salvação pela graça, o encontro pessoal com Jesus, e novo nascimento, a
certeza da salvação podemos não perceber que as obras são importantes em nossa
vida cristã.
Por que as obras são importantes?
Primeiro, por causa do julgamento
final. Mateus 25.31-46 é um texto de difícil interpretação. Quando e com quem
se dará esse julgamento? Como harmonizá-la com Efésios 2.8,9? Não é fácil
responder. Mas não há como escapar do que Jesus disse: “Então o Rei dirá aos
que estiverem à sua direita: 'Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança
o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo. Pois eu tive fome, e
vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro,
e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive
enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso e vocês me visitaram” (Mt
25.34-36, NTLH).
Segundo, as boas obras glorificam
nosso Pai Celestial. Jesus disse: “Assim brilhe a luz de vocês diante dos
homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que
está nos céus” (Mt 5.16, NTLH).
Terceiro, as obras são uma evidência
da fé. Foi isso que o apóstolo Tiago ensinou: “De que adianta, meus irmãos,
alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Acaso a fé pode salvá-la? Se um
irmão ou uma irmã estiver necessitado de roupas e do alimento de cada dia e um
de vocês lhe disser: “Vá em paz, aqueça-se e alimente-se até ficar satisfeito”,
sem porém lhe dar nada, de que adianta isso? Assim também a fé, por si só, se
não for acompanhada de obras, está morta” (Tg 2.14-17). É bom lembrar que “fé
morta” é sinônimo de “fé inexistente”. Mas, a fé viva produz boas Abras.
Exemplos Bíblicos
Desde o Antigo Testamento o povo era
ensinado a praticar boas obras. A lei da rebusca ensinava que uma parte das
espigas deveria ser deixada no campo para que os pobres viessem atrás,
colhendo. Uma parte dos dízimos era reservada para ajudar os pobres. Órfãos,
viúvas, estrangeiros e pobres eram alvo de cuidado especial. Nada disso,
entretanto, substituía o arrependimento, o perdão divino e a expiação de
pecados. O único meio para a expiação de pecados era o sangue do cordeiro
sacrificado no tabernáculo (Lv 17.11), que prefigurava Cristo, o Cordeiro de
Deus. Assim, como no Novo Testamento, a salvação também era pela graça, por
meio da fé. E as boas obras? Eram fruto do amor do Pai, expresso nos atos de
misericórdia, e uma forma de glorificar a Deus.
O Salmo 37 enfatiza a bondade do
justo: “Confia no Senhor e faze o bem” (v. 3); “o justo se compadece e dá” (v.
21); “é sempre compassivo e empresta” (v. 26). Pela bênção de Deus em sua vida
e pelas suas atitudes de bondade para com o próximo, o justo colhe muitos
benefícios (v. 19, 23 e 25).
A igreja de Jerusalém, nos seus
primeiros anos, conheceu um tempo de multiplicação das boas obras. Os crentes
vendiam suas propriedades e entregavam o valor da venda aos apóstolos. O
dinheiro não era usado para construir templos, casas ou qualquer aquisição
semelhante. Dava-se de comer aos pobres, de tal maneira que “nenhum necessitado
havia entre eles” (At 4.34).
Mais tarde, o apóstolo Paulo leva os
crentes de Corinto e de outras cidades a praticarem boas obras para com os
outros crentes: “Os discípulos, cada um segundo as suas possibilidades,
decidiram providenciar ajuda para os irmãos que viviam na Judéia” (At 11.29,
NVI).
E aqui, outra vez, vemos como Deus é
glorificado com as boas obras praticadas por seus filhos: “Este serviço
ministerial que vocês estão realizando não está apenas suprindo as necessidades
do povo de Deus, mas também transbordando em muitas expressões de gratidão a
Deus” (2 Co 9.12, NVI).
Boas obras precisam ser feitas sem
segundas intenções. É o bem que se faz ao crente e ao não crente, pelo simples
fato de que assim se comunica o amor de Deus às pessoas. Mas o resultado
natural é que as boas obras abrem portas para a evangelização: aquele que
recebe o bem abre o coração para ouvir as verdades do evangelho.
Felizmente, cada vez mais Deus vem
sendo glorificado em muitos lugares do Brasil pelas boas obras dos evangélicos
(atendimento aos que estão com fome, casas de recuperação para usuários de
entorpecentes, hospitais, escolas, creches) uma extensa lista de serviços
sociais que vêm produzindo ótimo testemunho. Deus nos ajude a multiplicar o que
já estamos fazendo.
Boas obras? Muitas. Mas muitas mesmo!
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